09 agosto, 2012

Recompensa

Por todos os livros que você não terminou de ler.
Por todas as bandas que você não ouviu.
Por todos os filmes que você não foi assistir.
Por todas as vezes em que você matou a academia.
Por todos os dias em que o sofá e o notebook foram o maior prazer da sua casa.
Por todos os conselhos dos seus pais, que você não seguiu.
Por todos os parques que você deixou de visitar.
Pelas dietas de segunda-feira, abandonadas na terça.
Por todos os lugares pros quais você não viajou.
Por todos os garçons e camaradas de bar que você não conheceu.
Por todas as fotografias que você não revelou.
Por todo o tempo lendo e-mails inúteis.
Por todos os amigos de internet que você nunca chegou a conhecer.
Pela luz da lua, trocada pelas luzes coloridas das festas.
Pelo sol de cada manhã, batendo na sua janela fechada.
Pelos dias trocados pelas noites.
Pelas noites em claro...

A amarga lembrança de quem você nunca foi.

19 julho, 2012

Trocas

       As ondas do rádio já denunciavam o que ele sabia faz um tempo. Ele estava envelhecendo. Tinha trocado a badalagem de musicas eletronicas, as batidas, os riffs, os solos de rock pelo blues e pelo jazz. As paredes de sala, iluminadas pelo azul-tv pareciam mais confortáveis do que aquela cerveja com os amigos até tarde da noite. O café solitário das 18h, melhor que aquele restaurante caro e aquela batata (que ele tinha quase certeza que não era batata dessas de feira). O livro do topo da cama, aquele todo empoeirado que ele nunca tinha tocado já tinha um marca-página confortavelmente assentado na pagina 134. Ficar no computador até tarde, pra quem virava noites à fio, atualizando a mesma página, dando voltas entre e-mail, uma ou duas redes sociais e entre a luz laranja que acendia na barra de tarefas, para ele já era uma inutilidade sem precedentes. 


       O tempo passou. As coisas passaram. E mudaram. Ele nem percebeu direito. O que ele tinha percebido é que daquela frequência frenética, ele já tinha cansado. "Eu fiz muita coisa correndo, sem pensar direito, sem ver o que e com quem eu tinha feito". Hoje, a vontade de pouco fazer ou não fazer nada o tem cativado muito mais do que ser um "altamente-produtivo" sem causa. E ele realmente não sabe se isso é bom ou ruim. Os pesquisadores de universidades norte-americanas com certeza classificariam sua procrastinação como algo que provavelmente poderia balear seu coração por depressão e sobrepeso num prazo de 5, 10 anos. Eles mesmos dizem que a predisposição dos jovens à infartar por causa disso tem aumentado consideravelmente. Mas tudo bem, pelo menos ele sabia que ter deixado de lado aquela biblioteca de música tão barulhenta tem melhorado a sua audição. Se fez bem pro ouvido, deve chegar no coração também. 

24 janeiro, 2012

Guerras Particulares

Eu cruzo com os caminhos de milhares de pessoas por dia. A pé, no ônibus, no carro, sempre dá pra ver como as pessoas vem e vão, descontroladamente, para muitos lugares e para fazer muitas coisas, ou coisa alguma. Eu, como já comentei aqui outras vezes, acho que aqui vive muita gente. Pois bem, imagine cada pessoa dessa indo pra algum lugar, fazer qualquer coisa. Qual é o plano dessas pessoas? Enriquecer, prosperar, ter bens materiais, status ou apenas a vontade simples de fazer alguma coisa produtiva, não sei. Cada um tem os seus motivos.

Não precisamos pensar muito pra ver que vivemos num cenário um tanto quanto normal, um tanto quanto perturbador. Você anda na rua, acompanhado ou sozinho, você pode até estar se sentindo feliz, mesmo sem saber o porque, até o momento em que você vira a esquina e vê alguém jogado no rodapé de uma parede, coberta com aquela inconfundível manta cinza e suja, tentando se proteger do frio, ou da chuva ou até dos outros. Um outro exemplo, você está com o seu filho no banco de trás do carro quando para no semáforo e é abordado por uma criança vendendo alguma coisa.

Nesse cenário, você tem três atitudes esperadas: Lamentar, fingir que não viu ou ajudar. A segunda é, disparada, a mais utilizada: Ignoramos.

Estamos preocupados demais tentando travar uma guerra contra os nossos próprios medos e inseguranças. Mas não é um crime correr atrás dos sonhos. Mas os sonhos dos outros não tem valor ou espaço compartilhado nos nossos próprios sonhos. Cada um luta pelo seu.

Você lutou tanto na sua vida, acumulou horas de trabalho, tirou férias, trabalhou pelos outros, ou deixou os outros trabalharem pra você. Nem percebeu que o seu senso de realidade tirou férias quase que definitivas de você. Sua conta no banco engorda, você arruma alguém, seus amigos parecem mais próximos, seu ego infla e sua felicidade se condiciona à isso. Você ganha a batalha. Mas se uma dessas coisas se inverte, aos poucos, o resto também se inverte e vai perdendo o sentido. Você perde a guerra. E acaba, espiritualmente ou literalmente, como o sujeito do rodapé ou desorientado como aquela criança do semáforo.

Assim, você deixa de lado a sua guerra particular por uma estranha sensação de felicidade e começa a fazer parte da guerra conjunta por sobrevivência. Você nem precisa chegar num estado extremo pra sentir, mas a gente sempre sabe quando estamos vivendo ou quando estamos apenas sobrevivendo.