05 julho, 2011

Como foi seu dia?

Ele sentou num banco, naquela mesma praça onde sempre se sentava, naqueles finais de tarde frios de inverno, respirou fundo e se apoiou sobre os braços à beira do banco. Ajustou o volume do rádio de bolso, ouvindo os comentaristas repetindo à voz grossa as notícias do dia e puxou o 10º cigarro do bolso, vendo o movimento dos carros e das pessoas que passavam em frente à ele.

Olhou os carros, passando rápido ou parando repentinamente, um atrás do outro, arranhando marchas, buzinando insistentemente para aquele carro que morreu após o fim do vermelho no semáforo. As pessoas indo e vindo, cada uma com o seu "ir e vir" diário, com várias coisas na cabeça, andando sem olhar para os lados, talvez nem para a frente. Via que as pessoas não se olhavam, não se cumprimentavam. Se uma esbarrava em outra, as cabeças se movimentavam ligeiramente e um "desculpe" saia entre dentes. A pressa, falta de educação ou outra coisa que fugia do senso de convívio que ele tinha atrapalhava a convivência das pessoas.

"E daí?", pensou. Tantas vezes já andou daquele jeito, correndo pra lugar nenhum, atrasado para nada. Quem era ele pra ficar achando defeito nesse tipo de coisa. Ele sabia que a correria era necessária, todo mundo precisa de dinheiro. Sabia também que ficar nervoso por coisas cotidianas era opcional, mas que podia acontecer e que não precisava se crucificar se acontecesse com ele. "Amanhã melhora"
Mas ele tinha que passar por isso várias vezes por semana. Queria dinheiro, ostentação, status. Julgou como justo o preço que pagava para "ter" as coisas que queria.

Via aquelas coisas todos os dias, depois de um dia estressante baseado em e-mails, ligações, cobranças e outras coisas que insistiam em testar a paciência dele, todos os dias e chegou a pensar se aquilo era realmente necessário. Acumular riquezas, objetos... estresse e preocupações. Mediu os lados: De um lado a necessidade de viver, do outro lado, o consumo da capacidade dele de ser humano de verdade, além dos aspectos que a vida cotidiana cobra. Pontualidade, atender prazos e metas, comprar presentes, satisfazer mimos, pagar contas, fazer dívidas, cobrar dívidas. Ir dormir pensando no vencimento do cartão, no cliente que ficou esperando uma resposta, no carro novo que queria comprar, na promoção... muitas vezes deixando de lado a mulher que poderia estar esperando um achego ou abertura para conversa do marido, depois de um dia estressante de trabalho e rotinas na mesma proporção ou deixando de lado a filha ainda acordada, esperando o abrir da porta durante a noite, vendo a silhueta do pai adentrando o quarto e sentir os lábios um tanto quanto gélidos do pai sobre a sua testa.

O primordial havia fugido por entre os dedos dele, como água. Esqueceu o porquê de se estressar tanto, de receber tanto esporro de chefe, de ter que atender tantos clientes chatos e reuniões de negócios. Naquele dia, antes de girar a chave dentro do trinco da porta do apartamento, se acometeu por um "senso de realidade" e teve plena consciência do porque daquilo tudo. E não era o carro novo, os ternos, os empregos, os salários, as contas, os presentes. Não era "ele" o porquê.

De fato, preocupou-se em achar um meio-termo nessa história. Seria mesmo o equilíbrio entre as partes que iria trazer as riquezas e o sossego que qualquer ser humano normal anseia? Existe mesmo um meio-termo?

As respostas para essas perguntas ele não tinha. Sabia que não podia parar de fazer o que fazia por instinto de sobrevivência, mas sentiu um fisgar no peito quando tomou consciência do que estava abrindo mão para "ter" o que queria. Seu estilo de vida, atarefado e estressante cobrava um preço que há tempos se tornara alto demais pra ele pagar.

Já de noite, entrou em casa, entrou no quarto da filha e, vendo que ela já dormia, deixou um bombom ao lado do despertador. Entrou no quarto, deu um beijo na mulher, ajeitou-se na cama e, folgando o nó da gravata, perguntou:

"Como foi seu dia, amor?"